Cientistas apontam que crença em um 'cérebro matemático inato' é falsa e desestimula estudantes que poderiam ter êxito na disciplina; pesquisadora de Stanford ensina formas de tornar aprendizado mais fácil e criativo.
Em 2013, três pesquisadores italianos acompanharam 120 meninas de seis anos que cursavam a 1ª série.
Eles perceberam que as meninas que acreditavam que a matemática não era
para mulheres tinham desempenho pior na disciplina que os demais alunos
participantes da pesquisa.
Alguns anos antes, em 2007, um estudo feito nos EUA com
373 alunos (de ambos os sexos e diversas etnias) da 7ª série apontou
que os estudantes que acreditavam que "ter uma certa quantidade de
inteligência, sem poder mudar nada a respeito disso" não se destacavam
em matemática, ao contrário dos estudantes que entendiam que sua própria
inteligência era maleável.
Em vez disso, esse "cérebro matemático" parece ser em grande parte
construído (ou atrofiado) pelas nossas ideias a respeito de nossas
próprias habilidades, pelo nosso esforço e, não menos importante, pela
forma como a matemática nos é ensinada em sala de aula.
"Há algumas razões pelas quais acreditamos que somos ruins em
matemática, e a primeira é a ideia equivocada de que ou você nasce com
um 'cérebro matemático' ou não terá aptidão", diz à BBC News Brasil Jo
Boaler, autora e pesquisadora do ensino da matemática pela Universidade
de Stanford (EUA).
"Muita gente acredita nisso e, na primeira vez em que enfrenta alguma
dificuldade, passa a pensar: 'bem, então não tenho um cérebro
matemático' e consolida uma visão negativa (de si) a partir daí."
Outra razão, opina Boaler, é que a matemática muitas vezes é ensinada
"de um modo incrivelmente chato, como se fosse uma matéria sem sentido, o
que afasta as pessoas. A combinação disso (percepções pessoais e modelo
de ensino) trouxe muitos danos."
Boaler aborda o tema no livro Mente Sem Limites e participa nesta
semana, em São Paulo, do 2º Seminário de Mentalidades Matemáticas, que
também discute avanços neurocientíficos sustentando a ideia de que a
disciplina é mais acessível do que se costuma pensar.
Valorizar os erros e desestimular a rapidez
A pesquisadora defende que a matemática faz mais sentido se for
ensinada de forma visual (com desenhos, cubos, barbantes), com trabalhos
em equipe que sejam criativos e colaborativos e exaltando — em vez de
condenando — os erros cometidos durante o aprendizado.
Boaler afirma que muitas aulas de matemática tradicionais valorizam em
excesso a rapidez com que os alunos resolvem os exercícios, o que
desestimula os que não conseguem acompanhar o ritmo.
"Muitas crianças que poderiam ter um ótimo futuro na matemática acabam
desistindo por achar que não são rápidas o bastante, quando na verdade
os próprios matemáticos são lentos e flexíveis quanto à matemática", diz
Boaler.
"Outra descoberta libertadora da neurociência é que nosso cérebro cresce
mais quando estamos nos esforçando e cometendo erros, embora a sensação
(durante esse processo) seja ruim." – Jo Boaler, pesquisadora da
Universidade de Stanford
Boaler e sua equipe aplicaram essas estratégias de ensino em um grupo
de 84 alunos de 11 a 13 anos na Califórnia, em 2017, na etapa
equivalente ao ensino fundamental 2 brasileiro.
Os jovens participaram de 18 aulas no projeto Youcubed, aprendendo
matemática de um modo mais colaborativo. O resultado, diz a Universidade
Stanford, é que nesse período eles aumentaram seus conhecimentos
matemáticos no equivalente a 2,4 anos de ensino escolar.
O site do projeto Youcubed (que tem versão em português) traz,
atualmente, dezenas de sugestões de exercícios práticos para serem
usados em sala de aula (ou em casa), desde a educação infantil até o fim
do ensino médio.
A atividade "Bolas de gude na caixa", por exemplo, sugere um jogo da
velha em 3D que pode ser aplicado a alunos por volta de cinco anos.
Profecia autorrealizável
O que não significa, porém, que a matemática não exija esforço ou que o
processo de aprendizado não esteja sujeito a frustrações.
O que especialistas como Boaler têm defendido é que, no ambiente
escolar, a percepção de que "não nasci para a matemática" acaba se
convertendo em uma espécie de profecia autorrealizável.
"A verdade é que você provavelmente é uma pessoa com afinidade à
matemática e, ao pensar o contrário, está tolhendo sua própria carreira
futura", escreveram dois acadêmicos, Miles Kimball, da Universidade de
Michigan, e Noah Smith, da Universidade de Stony Brook, em artigo de
2013 na revista americana The Atlantic.
"E o pior, ao pensar o contrário, você pode estar ajudando a perpetuar
um pernicioso mito que prejudica as crianças menos privilegiadas: o mito
da habilidade matemática genética e inata."
Em contrapartida, dizem os autores, as crianças que desde cedo se
acostumam a ouvir que levam jeito para a matemática acabam se esforçando
mais e, em consequência, se saindo melhor.
Atrasos brasileiros na matemática
No Brasil, a matemática é considerada calcanhar de Aquiles por muitos
estudantes. Oito em cada dez alunos concluem o ensino fundamental sem
adquirir os conhecimentos esperados nessa disciplina, segundo o exame
Prova Brasil de 2017.
Na mais recente edição do exame internacional PISA, que em 2015 testou
os conhecimentos de alunos de 15 anos em 70 países, o Brasil ficou em
66º lugar em matemática e 63º em ciências.
Em um país com tantas deficiências de ensino, como tirar a matemática do papel de vilã?
Para Boaler, isso começa pelo professor "mudar sua mensagem", deixando de pensar — e evitando que alunos pensem — que somente alguns poucos serão de fato capazes de aprender a disciplina.
"E quando eles mudam sua mensagem e a forma de dar aula, veem
instantaneamente que funciona e que mais alunos estão aprendendo. Daí o
nosso esforço em mostrar aos professores que todas as crianças têm um
potencial ilimitado e mostrar as evidências neurocientíficas disso",
argumenta.
Ela destaca, ao mesmo tempo, que muitos professores já adotam
estratégias do tipo e são capazes de tornar a matemática sedutora.
Recentemente, viralizou no Twitter a foto de uma prova de matemática em
que o professor corrigiu a aluna quando esta disse que se considera
"uma decepção" na disciplina. O professor riscou a frase "então não se
assuste com o meu zero" e trocou-a por "então me ajude a entender
melhor? Claro!"
Fonte: G1
Um jeito diferente de ensinar e aprender.
Valdivino Sousa é Professor, Matemático, Contador, Bacharel em Direito, Pedagogo e Mestrando em Educação. Editor do blog Valor X Matemática News, e escreve sobre: Educação Matemática, Didática e TICs na Educação. E-mail: valdivinosousa.mat@gmail.com 🖼Instagram: @valdivinosousaoficial 🔯Veja Biografia